UMA CHUVA, UMA LEMBRANÇA
Levantei a gola da gabardina e encostei-a mais ao pescoço. A água escorria pela cara abaixo. Passei a mão pelo cabelo molhado e sacudi-a. Acho que me fez sorrir lembrar-me da expressão: encharcado até aos ossos. Estava ensopado, talvez não até aos ossos, mas muito perto disso.
Há muito que não me sentia tão bem. O que faz uma noite de chuva. Meu Deus, como chovia. Porque tinha de ser assim, com chuva e caos. Talvez faltasse um bom trovão. Atravessei a grande rotunda, ignorando as passadeiras e os sinais verdes para peões. Alguns carros apitaram, mas que se lixem, uma coisa que aprendemos, quando se vive em no Brasil é atravessar uma estrada movimentada, como queremos, entre os automóveis, naquele tempo preciso entre o atropelamento possível e a destreza louca. Fez-me lembrar outros tempos em que se saltava dum elétrico em andamento, uma perna de fora, o salto e uma ligeira corrida para não nos estatelarmos no chão. Vi fazer isso anos a fio, nos antigos autocarros com porta aberta atrás, nos comboios quase a pararem na velha estação, com o destemor de quem faz isso à vida inteira, e sobrevive. Seriam saudades desse tempo? Saudosismos que criticamos a vida inteira basta um período de loucos na vida e lá estamos nós a recordar coisas banais. Incrível, a quantidade de coisas que com a idade passam a deixar de parecer pieguices, afinal são sentimentos vulgares. Assumem-se como pensamentos que fazem parte de nós.
Olho para o monumental centro comercial no prédio iluminado com uma curva que acompanha a rotunda. Notam-se as pessoas que circulam dentro do edifício, nos andares de comércio. Para cima, as luzes apagadas, apenas com alguns olhos de luz e um ou outro movimento humano. Do outro lado da avenida, umas árvores e as paragens de autocarros, novo prédio com vida lá dentro, recordo, bons cinemas, boa cervejaria. O meu coração andaria por ali, durante muito tempo. A chuva acalmava-me a tensão da despedida. Sabia-me bem caminhar à chuva. A chuva fria amortecia os maus pensamentos. Caminhava rápido, o que me impedia de gelar como um bloco de granito, só e duro. Que faço aqui? Os braços de mulher puseram-me longe de mim mesmo. Andarei até que a madrugada me pare. Talvez me dissolva na chuva que cai.
(Lucimar Simon)
Assuntos Acadêmicos, Poesias, Músicas, Textos Diversos, Análise Cotidiana, Contos, Reflexões, Piadas, Pensamentos, Devaneios, Estudo em Geral.
quarta-feira, 11 de março de 2009
2 comentários:
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Arte por arte,poesia em expressão.
ResponderExcluirÉ o andar tão somente por querer,sentir frio ou calor,
e a chuva é musa de libertação,lembranças de ontem,saudades de amanha!
Sentimentos escritos,
se não são poemas,
são emoções.
E particularmente gosto mesmo e
de me emocionar.VOCÊ sabe fazer! Abraços
Mais um texto espetacular Lucimar, as recordaçoes sao tudo, o passado é algo vivo historiador....
ResponderExcluirAbraço
Anonimo